

Dermatite seborreica
1) Introdução
A epiderme forma uma barreira entre o ambiente externo e a derme do animal. Caracteriza-se por ser uma estrutura com diversas camadas (epitélio estratificado) que se renova constantemente através da divisão celular que ocorre em sua camada mais profunda. A epiderme é dividida em estratos basal, espinhoso, granuloso (presença variável em cães e gatos) e o córneo . Sua principal célula é o queratinócito, produzido na camada basal e que, à medida que perde sua habilidade de proliferação, inicia sua migração para a camada superficial da pele. No estrato córneo, a célula, agora denominada corneócito, degrada seu núcleo e outras organelas, achata-se e libera o conteúdo dos corpos lamelares. Tais corpos contêm lipídeos que preenchem o espaço intercelular, formando a barreira intercelular. Em condições normais a epiderme é renovada em 3 a 4 semanas. Descamação é o acúmulo de fragmentos de células originárias do estrato córneo . O termo seborreia, segundo alguns autores, é confuso, inespecífico e tem sido utilizado para descrever sinais clínicos oriundos da descamação excessiva, formação de crostas e oleosidade. Porém, para outros, o termo pode ser adequado desde que usado para denominar um padrão de reação, e não um diagnóstico final. Após um acometimento patológico, um dos mecanismos de defesa e reparo do organismo é aumentar a taxa de produção dos queratinócitos, portanto, todas as camadas da epiderme tornam-se mais espessas. Podem ocorrer aumento e descamação anormal de grupos de queratinócitos visíveis a olho nu.
Etiologia
Qualquer desordem que altere a proliferação, diferenciação ou descamação produz sinais de seborreia. Entre as principais causas destacam-se:
• Inflamação: doenças cutâneas inflamatórias, que se caracterizam tipicamente por hiperplasia epidérmica, que, provavelmente, resulta na liberação ou produção de eicosanoides cutâneos, histamina e citocinas. Tais citocinas e eicosanoides inflamatórios estimulam a proliferaçãoo cutânea em um esforço para remover o agravo, considerado nocivo. Entretanto, a hiperproliferação epidérmica também leva a diferenciação defeituosa dos queratócitos. Entre os exemplos detacam-se reações de hipersensibilidade (dermatite atópica, hipersensibilidade alimentar), vasculite, doenças infecciosas (bacterianas ou fúngicas), ectoparasitos (demodicose, pulgas, Chleyletiella) e neoplásicas (linfoma epiteliotrópico)
. • Fatores endócrinos: hormônios influenciam tanto na proliferação celular quanto nos perfis lipídicos, cutâneo e sérico. Embora desequilíbrios hormonais possam causar seborreia, o hiperadrenocorticismo espontâneo ou iatrogênico e o hipotireoidismo são as causas mais comuns
• Fatores nutricionais: glicose, proteínas, ácidos graxos essenciais, vitaminas e minerais são necessários para a proliferação e diferenciação celulares normais e sua deficiência, desequilíbrio ou excesso podem resultar em seborreia, embora não seja clinicamente comum.
• Fatores ambientais: se a perda transepidérmica de água aumenta, a descamação modifica-se e as escamas tornam-se visíveis. Baixa umidade ambiente, banhos em excesso e deficiência de ácidos graxos podem causar esta modificação.
• Fatores congênitos ou hereditários: alopecia da diluição da cor, seborreia primária, adenite sebácea, síndrome do comedão do Schnauzer ou ictiose podem estar associadas com seborreia.
Desordens específicas
Seborréia primaria
Em cães, a seborreia é uma doença cutânea crônica caracterizada por um defeito na queratinização com formação excessiva de escamas, oleosidade excessiva da pele e pelos e, algumas vezes, inflamação secundária. Seborreia primária é um distúrbio hereditário da proliferação epidérmica, mais comumente visto em cães das raças West Highland White Terrier, Cocker Spaniel Americano, Springer Spaniel Inglês, Basset Hound, Golden Retriever, Setter Irlandês e Pastor Alemão. A seborreia seca caracteriza-se por pele e pelos ressecados, com acúmulo de escamas brancas a acinzentadas e não aderidas. Enquanto a seborreia oleosa é o oposto: pele e pelos são untuosos e a dermatite seborreica é caracterizada por descamação e oleosidade, com evidência macroscópica de inflamação focal ou difusa. Os sinais clínicos são variáveis e incluem descamação, formação de crostas, ressecamento, oleosidade e engorduramento da pele e do pelame. A eritema e a alopecia ocorrem em graus variáveis e pode apresentar a otite externa concomitante. O prurido é variável mas os animais acometidos, geralmente, demonstram prurido à medida que acontece tece o agravamento da seborreia. As lesões são mais pronunciadas na face, regiões inter-digitais, áreas intertriginosas e períneo, embora alguns autores citem que as lesões ocorrem mais comumente no tronco. Desordens alérgicas, apesar de serem sistêmicas, podem causar lesões localizadas e o prurido precede a seborreia. Devido à natureza hereditária da doença, os sinais ocorrem precocemente e tornam-se mais severos com o avanço da idade, usualmente entre 12 e 18 meses de idade. A queixa inicial apresentada pelos proprietários pode variar, em: otite hiperplásica ceruminosa, pelame opaco com descamação acentuada, oleosidade e mau-odor (marcadamente em dobras cutâneas ou áreas intertriginosas), cilindros foliculares, padrões descamativos ou crostosos múltiplos a coalescentes e com prurido, hiperqueratose digital e unhas secas e quebradiças. Cães com seborreia possuem tendência para ocorrência de infecções bacterianas e malassezioses, que, pioram drasticamente a condição de pele de um cão com seborreia primária, inclusive com aumento do grau de prurido. As lesões por infecções secundárias podem ser muito severas, impedindo o reconhecimento dos sinais de seborreia e, nos casos graves, há a linfadenopatia regional ou generalizada.
Em felinos, a seborreia primária é muito rara, apesar de gatos serem acometidos por diversas desordens que causam seborreia secundária. As raças mais acometidas são Persa, Himalaio e Exótico de pelo curto. O hábito de limpeza do pelame parece ser parcialmente responsável por essa incidência baixa, uma vez que remove as escamas rapidamente. A seborreia seca é a mais comumente observada quando os felinos apresentam descamação. A severidade da seborreia é variável. Filhotes com 2 a 3 dias de vida podem apresentar seborreia severa, enquanto outros apresentam a doença de modo mais leve, demonstrando os sinais apenas após 6 semanas de idade. O manejo da seborreia primária necessita do controle da infecção, o uso de shampoo queratolítico, semanalmente, e a terapia sistêmica para controle da descamação. A vitamina A e retinoides são usados na tentativa de normalizar o processo de queratinização
Seborréia secundária
A seborreia secundária é causada por alguma doença interna ou externa que altera a proliferação, diferenciação ou descamação da superfície e do epitélio folicular. As causas externas (por exemplo, demodicose, dermatofitose) podem resultar em seborreia focal, multifocal ou regional. Dentre as doenças que podem resultar em seborreia secundária inclui-se a hipersensibilidade cutânea (atopia, dermatite alérgica a picada de pulgas, hipersensibilidade alimentar e dermatite por contato), ectoparasitismo (escabiose, demodicose, queiletielose), piodermatite, dermatofitose, endocrinopatia (hipotireoidismo, hiperadrenocorticismo), distúrbios nutricionais (desnutrição e dermatose alimentar genérica), doenças de pele autoimunes (complexo do pênfigo, lúpus eritematoso cutâneo), neoplasia (linfoma epiteliotrópico), condições pré-neoplásicas (alopecia mucinosa, ceratose actínica)
Manejo clinico
Não existe cura para a seborreia primária e a facilidade do controle irá variar de cão para cão. No entanto, ocorre piora clínica diante de alimentação inadequada, da ocorrência de ectoparasitismo ou doenças endócrinas ou metabólicas, exigindo acompanhamento clínico para detecção de qualquer doença intercorrente. O fundamento do tratamento correto é a terapia tópica frequente e apropriada e, frequentemente, exige-se o controle de manutenção por toda a vida, com o uso de produtos anti-seborreicos e hidratantes. Os cães que apresentam seborreia constantemente possuem infecção secundária, o tratamento com antibióticos ou anti-fúngicos pode ser necessário no início da terapia anti-seborreica, para eliminar infecções pré-existentes. O tratamento sintomático pode ser tópico, sistêmico ou ambos e a escolha do shampoo e o vigor do tratamento dependerá da natureza da seborreia. Para o tratamento da seborreia secundária é necessário a correção da causa primária. Com o tratamento, os sinais devem se resolver espontaneamente em 30 a 60 dias; em casos crônicos, são necessários de 3 a 4 meses para observar resposta. No entanto, em alguns animais a causa da seborreia secundária é determinada, mas não é corrigida, como, por exemplo, em casos de baixa umidade do ar ou em deficiência intencional de ácidos graxos para controle de peso ou de pancreatite ou, ainda, anormalidades no metabolismo dos lipídeos. Em tais situações, o banho e a hidratação devem ser continuados para manutenção.
ATIVOS E SUAS FUNÇÕES
1) Antiseborreico, Adstringente, antimicrobiano
Peróxido de benzoila: Produto tópico com ação detergente, potente para a limpeza folicular, com excelente resultado antibacteriano. Ideal para distúrbios seborreicos com crostas. Tem como desvantagem a possibilidade de promover ressecamento e irritação cutânea, além de descorar tecidos.
*Enxofre: além de antiseborreico é queraotlitico, queratoplastico e antifúngico. É bem tolerado em cães e tem boa atividade antisseborreica. A aplicação direta pode causar irritação cutânea e ressecamento do pelame, assim como manchas.
*Sulfeto de selenio: antiseborreico para casos refratários a peróxido de benzoila ou enxofre. Além de antiseborreico é queraotlitico, queratoplastico e antifúngico. Recomendado em casos de malasseziose. A aplicação direta pode causar irritação cutânea e manchas dos pelos.
*Não usar em felinos
Queratolítico, queratoplástico
Ácido salicílico: queratolitico, queratoplástico, antibacteriano e fungicida. Ideal para distúrbios crostosos ou secos.
Alcatrão: queratolitico, queratoplástico, antipruriginoso e detergente. Potente ação detergente, bom para distúrbios seborreicos oleosos graves. Pode promover o ressecamento, irritação cutanea, fotossensibilidade e dermatite necrolítica migratória superficial.
Uréia: queratolitico, hidratante e antibacteriano. A hidratação é por oclusão e reduz a perda de água pela pela. Não há restrições
Doenças com cornificação anormal - avalição histológica
O termo cornificação é amplo e engloba todos os processos que levam a formação de uma camada cornificante de epiderme (figura -Exame histopatológico da pele. Pele com pelos. Hiperceratose ortoceratótica em trama de cesto, dilatação e ceratose foliculares acentuadas em um cão com dermatite seboreica. Hematoxilina e eosina) . A ceratinização é uma série de eventos geneticamente programados pelos quais os ceratinócitos da camada basal maturam e morrem a fim de produzir o estrato corneo. Disturbios da cornificação podem ser subdivididos em desordem da descamação (hiperceratose de retenção) ou desordens proliferativas. Desordens proliferativas podem ser divididas em primárias ou secundárias. Doenças com cornificação anormal primárias são aquelas em que há defeito primário na regulação do crescimento epidérmico, já doenças com cornificação anormal secundária são aquelas que resultam de um defeito na formação da barreira. A categorização do defeito que leva a uma anormalidade da cornificação requer estudos moleculares, mas do que avaliações clinicas e histopatológicas.
A maioria das doenças com cornificação anormal tem uma causa hereditária, metabólica ou nutricional e são normalmente caracterizadas pelo acumulo de ceratina na superfície epidérmica e dentro dos folículos superficiais, entretanto, doenças da cornificação não são necessariamente hiperceratóticas. Algumas doenças inflamatórias, infecciosas ou não infecciosas, podem destruir glândulas sebáceas (por exemplo, lupus eritematoso cutâneo exfoliativo, demodicose e leishmaniose) e levar à hiperceratose secundária. Além disso, doenças de crescimento e diferenciação folicular anormal (por exemplo, alopecia endócrina e displasias foliculares) podem resultar em hiperceratose folicular. Nenhuma destas doenças é incluída nesse padrão histológico (GROSS et al, 2005)
As doenças de pele em cães que se enquadram nesse padrão histopatológico incluem: dermatite seborreica, seborreia primária, dermatose responsiva a vitamina A, seborréia canina da margem da orelha, hiperceratose nasodigital, paracetose nasal de cães labrador retriever, paraceratose folicular congenita, ictiose hiperceratose familiar dos coxins, sindrome do comedão dos cães schnauzer, comedões, actinicos, calo, adenite sebácea, dermatose responsiva a zinco, dermatite necrolítica superficial, nevo epidérmico linear inflamado e acrodermatite em cães bull terrier (gross et al 2005)