Doenças Renais


Classificação dos estágios da doença renal crônica (DRC)
O estágio I da DRC define-se por estado não azotêmico, mas há alguma alteração renal presente, tal como inabilidade renal de concentração urinária, proteinúria renal e alterações renais ao exame de imagem e de biópsia.
O estágio II caracteriza-se pela presença de discreta azotemia em avaliações seriadas (creatinina sérica entre 1,4mg dL-1 e 2,0mg dL-1 para cães e de 1,6mg dL-1 a 2,8mg dL-1 para gatos).
Pacientes nos estágios I e II não apresentam manifestações clínicas de disfunção renal, à exceção de poliúria e polidipsia. Ocasionalmente gatos com DRC em estágio II podem apresentar perda de peso e apetite seletivo; contudo, na presença de complicações da DRC, tais como pielonefrite e nefrolitíase, as manifestações clínicas podem se tornar mais evidentes (POLZIN et al., 2005).
O estágio III é definido pela presença de azotemia em grau moderado (creatinina sérica entre 2,1mg dL-1 e 5,0mg dL-1 para cães e de 2,9mg dL-1 a 5,0mg dL-1 para gatos). O paciente poderá apresentar manifestações sistêmicas da perda de função renal. A progressão da DRC nos pacientes desse estágio geralmente está ligada aos mecanismos de progressão espontânea da doença (autoperpetuação), mas pode também se relacionar às causas desencadeantes.
O estágio IV caracteriza-se pela presença de intensa azotemia (creatinina sérica superior a 5,0mg dL-1 para cães e gatos). Nesse estágio, o paciente apresenta importante perda da função renal que pode estar relacionada à falência renal e apresentar diversas manifestações sistêmicas da uremia como, por exemplo, alterações gastrintestinais, neuromusculares ou cardiovasculares.
Abordagem terapêutica segundo os estágios da doença renal crônica
a) Estagio I
No estágio I, os marcadores de lesão renal já indicam o comprometimento dos rins na ausência de
azotemia renal. Nesse estágio, é importante manter o animal hidratado, permitindo acesso livre para a ingestão de água, como também corrigir, quando necessário, a desidratação e assim evitar etiologias adicionais para lesão renal aguda. A proteinúria pode ocorrer em qualquer estágio da DRC e, uma vez confirmada a sua magnitude, o tratamento é recomendado quando a RPC apresenta valores superiores a 2,0 no estágio I. A terapia indicada tem o intuito de modular a pressão intraglomerular por meio do uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina (iECA), como enalapril ou benazepril, e tem por objetivo a redução da proteinúria para valores de RPC inferiores a 1,0 ou de pelo menos 50% do valor inicial da magnitude observada (POLZIN, 2008). Uma vez que a proteinúria é considerada um marcador de lesão renal, a redução da sua intensidade pode ser benéfica, principalmente nos estágios mais precoces da DRC (LEES et al., 2005). Quando não ocorre a resposta adequada ao iECA, poderá ser necessário o uso de bloqueadores de receptor de angiotensina II, como losartan ou irbesartan. Para os cães, a dose recomendada do losartan é de 0,25 a 0,5mg kg-1 dia-1, até a dose máxima de 01mg kg-1 a cada 12 horas (POLZIN, 2007); entretanto, deve-se ressaltar que esses fármacos ainda são de pouco uso na medicina veterinária. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) também pode ocorrer em qualquer estágio da DRC. Os valores da pressão arterial sistêmica devem ser confirmados após três aferições realizadas em momentos ou atendimentos diferentes. A terapia deve ser instituída se a pressão arterial exceder 180/120mmHg em cães e gatos, no estágio I. Nos casos em que existem evidências de retinopatia hipertensiva ou lesões centrais, a terapia deve ser instituída na primeira avaliação (POLZIN et al., 2009). O principal objetivo do tratamento é reduzir gradualmente a pressão arterial (<160/100mmHg) no intuito de evitar lesões dos órgão salvo e súbita hipotensão (POLZIN, 2007; ELLIOTT & WATSON, 2009). Em felinos, a terapia de eleição é os bloqueadores de canais de cálcio, como o besilato de amlodipina, na dose de 0,625mg gato-1 de até 5kg de peso e 1,25mg gato-1, com peso acima de 5kg (POLZIN,2007); caso não haja uma resposta adequada, a dose pode ser dobrada. Nos cães, a terapia anti-hipertensiva baseiase num conjunto de ações, pois raramente a monoterapia é suficiente para o controle (BARTGES et al., 1996). Recomenda-se o emprego de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (iECA), na dose de 0,25 a 0,5mg kg-1 (ou até 3mg kg-1). O aumento gradual da dose deve ser realizado com cautela por meio da monitoração da taxa de filtração glomerular (TFG), avaliada pela concentração sérica de creatinina, uma vez que ocorre a redução da pressão intraglomerular e, portanto, a diminuição da TFG, mesmo quando não há diminuição da pressão arterial sistêmica. Os bloqueadores de canal de cálcio, como a amlodipina, podem ser utilizados em associação com os iECA, quando necessário, na dose de 0,1 a 0,6mg kg-1, até a redução da pressão sistólica. Deve-se monitorar a pressão arterial semanalmente até que os valores atinjam níveis normais e, posteriormente, no intervalo de três a quatro meses (POLZIN, 2007). O uso de iECA, tanto para controle da proteinúria, quanto para controle da HAS, pode ocasionar o aumento discreto de 0,5mg dL-1 nos níveis séricos de creatinina, no início da terapia, mas esperase o retorno das concentrações iniciais em cinco a sete dias. Quando se observa o aumento repentino da concentração sérica de creatinina, esse fato pode estar relacionado com o efeito colateral do fármaco, enquanto que o aumento gradativo sugere a existência de comprometimento intrínseco da função renal (ELLIOTT & WATSON, 2009). Recomenda-se, também, que sejam realizadas as determinações séricas de potássio e sódio para uma avaliação indireta da ação do sistema reninaangiotensina-aldosterona (SCHRIER & REGAL, 1972).
b) Estágio II
No estágio II, a desidratação pode estar presente e geralmente ocorre de forma pontual em algum momento em que ocorreu a limitação quanto à ingestão de água ou a perda de água por processos gastrentéricos, por exemplo (POLZIN, 2008). As manifestações clínicas associadas à desidratação incluem disorexia, letargia, fraqueza e constipação - principalmente em gatos, e a azotemia pré-renal pode predispor à lesão renal aguda (POLZIN, 2008). No estágio II, é possível detectar alterações decorrentes dos fatores de progressão da doença renal, tais como
o hiperparatireoidismo secundário/hiperfosfatemia, acidose metabólica e hipocalemia, e esta última é mais frequente no felino. Ainda, a retenção de fósforo no sangue ocorre de forma gradativa devido à diminuição progressiva da taxa de filtração glomerular. Especificamente nos felinos pode-se observar o aumento da concentração sérica de paratormônio (PTH), mesmo na presença de concentrações séricas de fósforo na faixa de normalidade (KIDDER & CHEW, 2009). O objetivo, no estágio II da DRC, é manter as concentrações séricas de fósforo inferiores a 4,5mg dL-1, o que pode ser obtido apenas com o uso de dieta hipofosfórica (ELLIOTT, 2006; POLZIN, 2007 e 2008). Ainda no estágio II pode-se observar também acidose metabólica que ocorre em consequência do comprometimento renal na excreção de ácidos, na reabsorção de bicarbonato (HCO 3 ), como também pelo processo de amoniagênese renal (POLZIN et al., 2009). Dessa forma, é indicado determinar o valor do bicarbonato sanguíneo para assim estabelecer medidas terapêuticas necessárias. No cão, a administração de bicarbonato por via oral é recomendada quando o HCO3- sanguíneo for <18mEq L-1 e no gato quando <16mEq L-1 (ELLIOTT & WATSON, 2009). Vale ressaltar que os felinos desenvolvem a acidose em estágios anteriores quando comparados aos cães, e esse fato pode estar relacionado com a capacidade maior de absorção renal de bicarbonato que os cães apresentam (POLZIN et al., 1995; POLZIN et al., 2000). A dose inicial de bicarbonato para suplementação oral é de 0,5 a 1,0mEq kg-1 dia-1 ou 8 a 12mg kg-1 a cada 8 a 12 horas; esta pode ser realizada por meio de uma solução preparada com um litro de água e 84mg de bicarbonato em pó, resultando em uma concentração de 1mEq mL-1. Indicase a administração de 1,0 a 1,5mL 10kg-1 de peso por via oral (POLZIN & OSBORNE, 1995). Ainda, a dose deve ser fracionada para evitar os efeitos gástricos do bicarbonato (POLZIN & OSBORNE, 1995; POLZIN, 2007). A indicação do citrato de potássio também pode ser benéfica nos pacientes que apresentam concomitantemente hipocalemia e acidose. A reposição de potássio deve ser preconizada com cautela, uma vez que existe diferença entre a dose de reposição e aquela empregada para correção de acidose, para assim prevenir o desenvolvimento de alcalemia. Após normalização dos valores sanguíneos de bicarbonato, a monitoração deve ser realizada a cada três ou quatro meses para o controle adequado (POLZIN, 2007). Quanto aos felinos com DRC no estágio II, estes apresentam maior possibilidade de desenvolver hipocalemia, resultante da diminuição da ingestão de potássio e do aumento da perda urinária e suscita-se, ainda, a possibilidade de que a dieta hipossódica oferecida para esses pacientes possa de certa forma ativar o sistema renina-angiotensina-aldosterona (POLZIN et al., 2009). A hipocalemia crônica acomete 20 a 30% dos gatos com DRC e pode comprometer em graus variados a função do rim e das musculaturas cardíaca e esquelética. As manifestações clínicas provenientes da hipocalemia ocorrem quando a concentração de potássio é inferior a 2,5mEq L-1. A melhor escolha para a reposição oral de potássio é o gluconato de potássio, apresentação mais palatável, na dose de 2mEq para cada 4,5kg de peso, administrado duas vezes ao dia juntamente com o alimento (MAY & LANGSTON, 2006). Quanto ao citrato de potássio, a dose recomendada é de 40 a 60mg kg-1 dia-1 dividida em duas a três administrações (MAY & LANGSTON, 2006). Para a suplementação parenteral de potássio, recomendado nos casos de discreta hipopotassemia no estágio II, é preconizado o cloreto de potássio, pela via subcutânea, juntamente com o fluido na concentração de até 35mEq L-1 (LANGSTON, 2008). Uma vez obtida a concentração sérica de potássio entre os valores de 3,5 a 5,5mEq L-1, recomenda-se a avaliação desse eletrólito a cada três ou quatro meses (POLZIN, 2007). Ainda no estágio II, a hipertensão arterial também pode estar presente, e a recomendação do uso de anti-hipertensivos, conforme os fármacos já descritos para o estágio I, é indicada quando a pressão arterial for superior a 160/100mmHg; esse procedimento também é preconizado para os estágios III e IV (POLZIN, et al., 2009). Quanto à proteinúria, a terapia é indicada quando os valores da RPC forem superiores a 0,5 e 0,4 para os cães e gatos, respectivamente, com azotemia (estágios II, III e IV) (POLZIN, 2007). Entretanto, é importante ressaltar que, apesar de alguns estudos, principalmente em gatos, indicarem os efeitos benéficos, tais como o aumento do tempo de vida dos gatos com DRC que receberam iECA, ainda não está estabelecido, à semelhança nos humanos, de qual seria o grau de proteinúria a ser alcançado com a terapia e que efetivamente evitaria o desenvolvimento de lesões renais decorrentes da proteinúria.
A suplementação com compostos contendo quitosana (produzida pela desacetilação da quitina, que é um elemento estrutural do exoesqueleto de crustáceos e da parede celular de fungos), carbonato de cálcio e citrato de potássio, tem sido utilizada para o controle da hiperfosfatemia em cães, gatos e seres humanos. Além disso, a quitosana também ajuda a reduzir a azotemia nos pacientes com DRC. Estudo com cães demonstrou que o uso da quitosana reduziu a probabilidade de morte por crise urêmica e aumentou o tempo de sobrevida dos animais tratados quando comparado a animais tratados com placebo (ZATELLI et al., 2012).
O Ketosteril® (Fresenius-Kabi) trata-se de um composto utilizado como suplemento alimentar em pacientes humanos e contém aminoácidos e cetoanálogos (cadeias carbônicas isentas do grupo amina). Os cetoanálogos captam nitrogênio da circulação e são transformados em aminoácidos, geralmente essenciais, suplementando a nutrição do paciente, e reduzindo as concentrações de ureia circulantes (VEADO et al., 2002).
VEADO et al. (2002) utilizaram o Ketosteril® em uma cadela da raça labrador com DRC e observaram redução das concentrações de ureia e creatinina três dias após o início da utilização do produto na dose de um tablete para cada 5 kg de peso corporal.
Estágio III e IV
No estágio III, todas as alterações laboratoriais mencionadas nos estágios I e II ocorrem de forma mais marcante, inclusive com manifestações clínicas, tornando-se necessária a introdução de terapia mais intensa. A desidratação nesse estágio ocorre de forma crônica e não mais pontual. Ademais, os rins apresentam comprometimento importante da função tubular de reabsorção de água, resultando em poliúria mais intensa do que a polidipsia compensatória. Além disso, esses pacientes podem apresentar azotemia prérenal associada, o que favorece o desenvolvimento de lesão renal por má perfusão, originada por causas diversas de desidratação (como vômito, diarreia, febre, limitação ao acesso a ingestão de água, estresse, etc). A desidratação per si é responsável pelas manifestações clínicas, tais como prostração, fraqueza, constipação (principalmente no felino) e perda de apetite. Assim, é primordial a correção da desidratação com a fluidoterapia de manutenção pela via parenteral (subcutânea) com uso de cristaloides (soluções de Ringer com lactato ou de NaCl - fisiológica 0,9%). O volume de manutenção a ser administrado varia de acordo com o peso; para gatos e cães de pequeno porte, indica-se a administração diária de 75 a 150mL (POLZIN et al., 2005; MAY & LANGSTON, 2006; POLZIN, 2007). Para os cães, recomenda-se 40 a 60mL kg-1 em 24 horas, na dependência do porte do animal, e o intervalo de administração seria de acordo com a avaliação da intensidade da poliúria, da ingestão de água e do quadro clínico diário do paciente (BENESI & KOGIKA, 2002; MAY & LANGSTON, 2006). Há perda de vitaminas hidrossolúveis com a poliúria e, assim, recomenda-se a suplementação de vitaminas do complexo B (POLZIN & OSBORNE, 1995; PLOTNICK, 2007). Durante a fluidoterapia, pode ocorrer o desenvolvimento de hipocalemia, hipertensão e hipernatremia, como também esta comprometer a hemodinâmica e a função cardíaca. Assim, é necessária a monitoração estreita do paciente durante o tratamento, assim como a reavaliação da terapia sempre que necessário (POLZIN et al., 2009). Quanto ao tratamento da proteinúria e da hipertensão arterial sistêmica, a recomendação é a mesma descrita para os estágios I e II, e deve-se ter cautela quanto ao uso de fármacos que comprometam a taxa de filtração glomerular (exemplo: iECA e diuréticos); portanto, a monitoração da concentração de creatinina sérica deve ser mais frequente. Com o progredir da DRC, como reflexo da uremia, há comprometimento gradativo da condição corporal e do peso, disorexia, anorexia e perda da qualidade de vida. A desnutrição é a maior causa de morbidade e mortalidade em cães e gatos com DRC nos estágios III e IV, e nesse momento a introdução da dieta terapêutica é fortemente indicada, considerada como sendo de grau 1 da Medicina Baseada em Evidência (POLZIN, 2007). Os gatos com DRC já no estágio II, em comparação com os cães, necessitam de especificações nutricionais que previnam o desenvolvimento da uremia e a manutenção do escore corporal entre 4-5/9 (MAY & LANGSTON, 2006; POLZIN, 2007). Assim, a dieta para o paciente com doença renal deve conter mais do que simplesmente baixos níveis de proteínas e ser composta de proteínas de alto valor biológico em teores adequados e que assegurem menor formação de compostos nitrogenados não proteicos. Ainda, a dieta deve conter baixo nível de sódio para evitar a hipertensão, como também fibras que atuam como substrato para bactérias que utilizam a ureia como fonte de crescimento, além de ácidos graxos (Ômega-3) para reduzir inflamação (ELLIOTT, 2006). A restrição de fósforo na dieta colabora para a redução da progressão da DRC e aumenta o tempo de vida. A indicação de dieta hipofosfórica encontrase no estudo da Medicina Baseada em Evidência no grau 2 para cães e no grau 4 para gatos. Esta restrição tem o objetivo de manter os valores séricos de fósforo abaixo de 4,5mg dL-1 no estágio II, de 5,0mg dL-1 no estágio III e de 6,0mg dL-1 no estágio IV; contudo, alguns pacientes do estágio III e a maioria do estágio IV necessitam do uso de quelantes de fósforo para atingir esse objetivo (POLZIN, 2008). Entre os quelantes, o mais recomendado é o hidróxido de alumínio, administrado junto com o alimento ou logo após a refeição, na dose de 30 a 90mg kg-1 dia-1 (MAY & LANGSTON, 2006). Outros quelantes de fósforo, tais como o carbonato de cálcio, também apresentam ação efetiva, mas podem causar hipercalcemia e calcificação metastática; a dose recomendada é de 90 a 150mg kg-1 dia-1 (POLZIN et al., 2005). Recomenda-se que a avaliação laboratorial do fósforo sérico seja realizada entre duas e quatro semanas após o início do tratamento (MAY & LANGSTON, 2006) e, após atingir o valor de fósforo adequado, a avaliação laboratorial deve ser realizada a cada três ou quatro meses (POLZIN, 2007). O calcitriol é indicado nos pacientes em estágio III ou IV, com a finalidade de reduzir um dos fatores desencadeantes do hiperparatireoidismo renal secundário, a deficiência de vitamina D3 ativa (POLZIN
et al., 2009). Existe forte evidência clínica (grau 1 na Medicina Baseada em Evidência) para a utilização do calcitriol em cães, pois reduz a mortalidade, porém para gatos ainda não foi comprovada. Contudo essa terapia não deve ser iniciada até que os níveis séricos de fósforo estejam com valor abaixo de 6mg dL-1 (MAY & LANGSTON, 2006; POLZIN et al., 2009). A dose indicada é de 1,5 a 3,5ng kg-1 dia-1. A monitoração deve ser realizada pela mensuração sérica do PTH, do cálcio iônico e do fósforo, com a finalidade de se evitar a hipercalcemia (ELLIOTT & WATSON, 2009). Ainda no estágio III, atenção especial deve ser direcionada à acidose metabólica, pois essa condição, além de causar aumento do catabolismo proteico, também está relacionada com as alterações cardiovasculares, a desmineralização óssea, a osteodistrofia renal, a exacerbação da azotemia, o aumento do catabolismo de proteína da musculatura esquelética e as alterações do metabolismo intracelular, além do aumento da amoniagênese renal e da consequente lesão das células tubulares (POLZIN et al., 2004; ELLIOTT, 2006; POLZIN, 2007). Caso o uso de alcalinizantes por via oral não apresente resposta adequada, será necessária a indicação de administração de bicarbonato de sódio pela via intravenosa quando os valores de bicarbonato forem inferiores a 12mEq L-1 (LANGSTON, 2008). É importante ressaltar que a dose a ser administrada deve ser calculada baseada nos valores de bicarbonato sanguíneo, e a dose inicial seria a metade ou um terço da dose total do déficit calculado; é importante a monitoração da terapia pela hemogasometria (CHEW & GIEG, 2006). Para o cálculo do déficit de bicarbonato, recomenda-se a utilização do valor inferior de normalidade para a espécie, evitando-se assim o possível desenvolvimento de alcalemia. Deve-se, também, controlar a velocidade de infusão do fluido com o bicarbonato (CHEW & GIEG, 2006). O bicarbonato não deve ser adicionado às soluções de Ringer ou de Ringer com lactato. A anemia compromete a qualidade de vida dos cães e gatos nos estágios III a IV da DRC. O tratamento é indicado quando o hematócrito for inferior a 20% e o paciente apresentar manifestações clínicas que possam ser atribuídas à anemia, tais como perda de apetite, letargia e fraqueza. O objetivo é de manter os valores do hematócrito entre 30 e 40% em gatos e de 38 a 48% em cães (POLZIN et al., 2005; MAY & LANGSTON, 2006; POLZIN, 2007, 2008; NELSON & COUTO, 2009). É importante ressaltar a necessidade de se investigar outras causas da anemia como má nutrição, hiperparatireoidismo, infecção concomitante, deficiência de ferro, etc. O tratamento com eritropoetina disponível seria a recombinante humana (50 a 100UI kg-1 de duas a três vezes por semana), mas que pode apresentar efeitos colaterais, tais como hipertensão sistêmica, hipercalemia, convulsões, além da produção de anticorpos antieritropoetina. A darbepoetina, ainda não disponível no Brasil, parece ter uma ação melhor e inclusive causa menor estímulo para a produção de anticorpos (POLZIN, 2008). A monitoração do hematócrito durante a terapia é importante para evitar a policitemia, como também para diminuir a dose da eritropoetina quando alcançado o valor esperado do hematócrito; a suplementação de ferro também deve ser considerada e realizada com critério para que esse mineral possa ser mais bem absorvido e disponibilizado. A dose recomendada para suplementação de ferro em cães e gatos é de 100 a 300mg dia-1 e de 50 a 100mg dia-1, respectivamente (COWGILL, 1995); as doses podem ser maiores na dependência do grau de anemia e dosagem da eritropoetina, uma vez que a eritropoetina promove maior mobilização de ferro para efetuar a hemoglobinização (PLOTNICK, 2007). Além disso, a suplementação com vitaminas do complexo B (ácido fólico, etc) também é indicada (POLZIN et al., 2005). Ainda no estágio III da DRC, devido à uremia, vários sistemas podem ser acometidos e assim comprometer o estado geral. Náusea, vômitos, diarreia e diminuição do apetite podem ser controlados com o uso de bloqueadores de H2 (ranitidina, famotidina), antieméticos (metoclopramida, ondansetrona, meropitant - ainda não disponível no Brasil) e protetores de mucosa (sucralfato). Deve-se ainda recalcular a dose de fármacos que apresentam excreção renal, para assim evitar a superdosagem. A evolução final da DRC compreende o estágio IV, fase em que o número de néfrons encontrase muito reduzido e assim comprometendo sobremaneira as várias funções dos rins. A manifestação clínica é mais exacerbada e também mais refratária à terapia. O tratamento da desidratação (reposição e manutenção com a fluidoterapia), o controle da hiperfosfatemia (manter as concentrações de fósforo <6,0mg dL-1 tanto para cães como para gatos) (POLZIN, 2008; ELLIOTT & WATSON, 2009), da acidose metabólica e da anemia seguem as mesmas recomendações descritas para o estágio III. A nutrição enteral e/ou parenteral pode ser indicada na tentativa de manter o balanço nitrogenado positivo. A oligúria e a hipercalemia podem ser observadas nessa fase, e a crise urêmica ser mais evidente. É preciso compreender que se trata de uma fase em que a possibilidade dos néfrons remanescentes hiperfuncionantes preservar a função renal é remota. A indicação de hemodiálise na crise urêmica poderia ser proposta, mas com a ciência de ocorrer melhora somente temporária, pois haverá
novamente o acúmulo das toxinas urêmicas, uma vez que os néfrons remanescentes não são em número e em de capacidade suficiente para recuperar a função renal. Quanto ao transplante renal com o intuito e a esperança de obter novamente a função renal, os estudos publicados não são uniformes quanto ao momento da indicação do transplante e esse fato compromete a análise retrospectiva e prospectiva dos casos. É importante ressaltar que, após o procedimento, ainda há possibilidade de ocorrer a rejeição (nos gatos descrito em 13,1% dos casos); o tempo de sobrevida observado foi de 59% após seis meses e de 41% após três anos do procedimento, tempo semelhante ao observado também nos gatos que receberam somente a terapia de manutenção, à base de dieta balanceada e medicamentos (ADIN et al., 2001). Ainda, a terapia de imunossupressão (ciclosporina e corticosteróides) pós-transplante (BERNSTEEN et al., 2000) pode predispor ao desenvolvimento de infecções (toxoplasmose, peritonite infecciosa felina) e neoplasias (linfoma) (KATAYAMA & MCANULTY, 2002). Também há a necessidade de se avaliar o aspecto ético sobre o doador (KATAYAMA & MCANULTY, 2002). Portanto, esse procedimento ainda merece muita discussão, análise e reflexão.